A praia roubada, de Joanne Harris

Domingo, 19 de abril de 2015



RELEITURA

Opinião
Voltei ao mundo de Joanne Harris. Tive que fazê-lo. Não resisti e li mais um dos seus romances. E, mais uma vez, rendi-me de muito boa vontade ao talento desta escritora. Sim, A praia roubada voltou a conquistar-me, tal como o havia feito em 2002, quando o meu maridinho (ainda meu namorado) mo ofereceu como prendinha de Natal.
Tenho consciência de que a adoração que sinto pelas obras de Joanne Harris não é partilhada nem por livrólicos como eu, nem por aqueles que vão lendo com menos voracidade. Quando comento que estou a reler alguma das suas obras, as reações que obtenho são contraditórias. Há aqueles que se identificam de imediato com o meu entusiasmo e a minha “febre” e há aqueles que só com o olhar, com um trejeito, mostram que não entendem como posso “desperdiçar” o meu tempo a ler (e quanto mais a reler) Cinco quartos de laranja ou A praia roubada.
A minha estante é dona de 10 obras desta autora e estaria a mentir se dissesse que mal posso esperar para reler todas elas. Não morro de amores por obras como O rapaz de olhos azuis (o seu romance menos conseguido, na minha opinião), Valete de copas e dama de espadas ou Sapatos de Rebuçado (que fica muito aquém do seu antecessor – Chocolate). Mas o que nestes peca, sobressai em doses generosas de entusiasmo, originalidade e tramas emocionantes nas duas obras que reli este ano e que me provocam aquele frenesim de não querer parar as releituras, apesar de a minha estante me tentar com mais de duas mãos cheias de leituras novas!
Tal como em Chocolate e Cinco quartos de laranja, A praia roubada traz-nos uma protagonista feminina, jovem, dotada de talento (neste caso para a pintura) e que regressa às suas origens depois da morte da mãe. Mado, ou Madeleine Prasteau, viveu durante dez anos em Paris na companhia da sua progenitora, mas, mal esta falece, sente um irresistível chamamento que a faz regressar à sua ilha natal, Le Devin, onde deixou muitas recordações e o seu pai.
Desde que o ferry que a transporta atraca no porto de La Houssinière, Mado compreende que algumas mudanças se operaram naquele lado da ilha, que as condições de vida melhoraram, que as infraestruturas turísticas trouxeram desenvolvimentos consideráveis mas que infelizmente essas mudanças não se espalharam a Les Salants, ao “seu lado” da ilha, à aldeia natal da sua família. É assim recebida como já antevia, ou seja, por uma comunidade que vê com desconfiança o seu regresso, que se fecha a qualquer vestígio de renovação, que se resigna aos desígnios da natureza e que supersticiosamente aponta a culpa de qualquer desaire aos habitantes mais prósperos do outro lado da ilha.
Por muito que se sinta salanaise, Mado resiste a ser mais um e vai tentando navegar contra a maré, plantando teimosamente a semente da mudança, nem que seja aquela que poderia trazer a união e um sentimento de comunidade a uma aldeia de costas voltadas entre si e para o mundo. Ao mesmo tempo, luta outra batalha, aquela que lhe é mais próxima – reaproximar-se do pai, de um GrosJean mais silencioso, mais sorumbático, mais arredio, mais derrotado que nunca. Contará como aliado nestas duas batalhas com o misterioso Flynn, que, por incrível que lhe possa parecer, em pouco tempo conseguiu o que ninguém havia conseguido antes – ser “adotado” pelos habitantes de Les Salants e ser brindado com aquilo que é reservado apenas a quem é salanais de nascimento – uma alcunha – Ruivo.
Tudo isto que referi até agora é somente o ponto de partida de uma narrativa que prima por possuir aquilo que nos prende de tal forma que nos faz querer ir rapidamente de página em página para descobrir segredos do passado e do presente, o desenlace de projetos arriscados; conhecer cada vez melhor Mado, partilhar do seu sofrimento, das suas tentativas desajeitadas de reunir-se ao pai, sentir empatia por ela e desdém pela sua irmã, torcer para que deixe de carregar o mundo inteiro nos seus ombros e para que a sua sobrevivência, a sua vida não dependa de um estado de crise permanente. Eu fui, como já havia sido aquando da primeira leitura, “vítima” do poder desta narrativa empolgante e arrebatadora, pois não consegui largar o livro este fim de semana e “devorei” mais de 200 páginas entre umas horas de ontem e umas de hoje!
As obras que já reli de Joanne Harris têm assim este magnetismo, esta capacidade, esta mestria de me satisfazerem por completo e de me “obrigarem” a não parar de as ler. São fascinantes, de certa forma originais, com temas e cenários nada banais e com personagens fortes, marcantes, que ao carregarem uma bagagem sofrida, não nos deixam indiferentes, pelo contrário, levam-nos a querer ampará-las, a estender-lhes a mão e a fazer a caminhada necessária ao seu lado.
Aconselho vivamente a quem ainda não se deixou atrair pelo mundo literário de Joanne Harris a não esperar mais e àqueles que tiveram uma menos boa experiência com algum dos seus livros a dar-lhe mais uma oportunidade. Seguramente que não se arrependerão J

NOTA – 10/10

Sinopse

Encerradas numa pequena ilha na costa do Atlântico, duas comunidades vivem de costas voltadas entre si. Enquanto La Houssinière se transformou numa cidade próspera devido ao turismo que a única praia de toda a ilha lhe proporciona, Les Salants permaneceu esquecida no tempo, habitada apenas por pescadores e marinheiros que, tal como a vida que levam, são rudes e amargos. Mado nasceu em Les Salants, mas cedo partiu com a mãe para Paris. Após a morte desta, a jovem decide voltar à ilha da sua infância e reencontrar o pai. Mas o regresso ao passado não é fácil. A ilha, constantemente varrida por um vento inclemente, encerra em si todo um universo de mistérios e contradições, inacessíveis a uma "desconhecida". Mas, estranhamente, tal parece não ter acontecido com Flynn, um jovem irlandês que, embora recém-chegado, é alvo da afeição e da confiança de todos, até do pai de Mado, um homem cujo coração está fechado para o mundo e que se mantém teimosamente recolhido num silêncio sepulcral. Face a uma comunidade fechada, supersticiosa e apostada em manter acesos ódios ancestrais, Mado decide desafiar a sorte e as marés e consegue vencer o orgulho e as crenças dos habitantes de Les Salants. Juntos, vão tentar mudar o futuro da povoação e o seu próprio destino. Para Mado, esta vai ser uma incursão no amor e o (re)encontro com os valores familiares e comunitários. Poderá um castelo de areia sobreviver às marés? Inspirado na ilha onde Joanne Harris passou alguns momentos da sua infância, A Praia Roubada transporta-nos de imediato para a nossa própria infância e, especialmente, para os inesquecíveis dias ociosamente passados à beira-mar. 

4 comentários:

  1. Continua a ser uma leitura muito agradável e reconfortante!! Transporta-nos calmamente a esse lugar da infância, das praias vividas ou imaginadas, dos sonhos ideais de se viverem, do tempo em que o possível e o impossível são um só, de um tempo em que a felicidade é completa porque desconhece os seus próprios limites e não se compadece de outras dores... A mim deixou-me feliz... Agradeço, porque sabe muito bem revisitar os nossos sonhos...
    Sem dúvida, leitura e/ou releituras recomendaddas... :)
    Elizabete Grova

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    1. Betinha, como tu me entendes!!! E ainda bem que te proporcionei essa sempre deliciosa revisita aos nossos sonhos e à infância!
      Beijinhos docinhos para ti! E gracias pelo miminho :)

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    2. De nada... Os miminhos são para quem os merece!!!!! E ainda faltam muitos mais :) Beijinho enorme :)

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